Imprimir Resumo


Simpósio Mundial de Estudos de Língua Portuguesa
Resumo


Reinscrições de corpo em arquivo: o testemunho nos des-limites da memória

Autores:
Aline Fernandes de Azevedo Bocchi (UNIFRAN - Universidade de Franca)

Resumo:

O silenciamento da violência obstétrica constitui um elemento estruturante da sociedade brasileira contemporânea. Embora seja objeto de discussão por grupos de militância, trata-se de uma forma de violência de gênero que permanece, em larga medida, socialmente desconhecida, in-significada, de-significada: está fora da memória, em uma margem que aprisiona, demarcando sentidos que não foram trabalhados, metaforizados, transferidos. Conforme Orlandi (2007), sentidos in-significados são sentidos excluídos, silenciados, pois impedidos em sua significação: “não foram trabalhados socialmente, de modo a que pudéssemos nos identificar em nossas posições” (p. 66). Entretanto, “o que foi cesurado não desaparece de todo” (p. 67): ficam seus vestígios. Na trilha desses vestígios, encontrei no testemunho um objeto teórico-analítico potente de apreensão da enunciação feminina em face da violência, capaz de trabalhar nos des-limites dessa memória in-significada. Partindo de uma recolha de narrativas de mulheres que vivenciaram a violência em seus partos, o presente texto busca analisar os sentidos que, nesses testemunhos, constituem uma memória de violência corporalmente inscrita. Em se tratando da violência obstétrica infringida à mulher negra, há furos, buracos na memória em que a falta funciona, por interdição: silenciadas, essas narrativas não encontram lugar para legitimar os sentidos de suas dores, seus sofrimentos, suas vivências traumáticas. Constituídos na intersecção entre racismo, sexismo e classe social, são testemunhos que suportam a indiferença à tortura e ao horror, que padecem de reconhecimento, pois não entram no campo do reconhecível e do apreensível: os “enquadramentos seletivos e diferenciados da violência”, segundo Butler (2009), apreendem determinadas vidas como não vivíveis e, portanto, menos passíveis de luto. Situo, então, o testemunho como lócus privilegiado na compreensão de processos de reinscrições de sujeitos em face da violência: no esforço por enunciar o trauma, o testemunho funciona como prática de si que possibilita reinscrever narrativas de parto, deslocando posições subjetivas.


Agência de fomento:
Fapesp