O presente trabalho tem como objetivo principal estudar as fricativas (sibilantes e chiantes) nas cantigas trovadorescas, a partir das relações existentes entre letras e sons e as possíveis grafias nas cantigas religiosas e profanas.
A metodologia utilizada baseia-se na análise das rimas e das variações gráficas presentes nas cantigas trovadorescas, o que nos possibilitou um estudo inédito sobre a realização fônica das fricativas (sibilantes e chiantes) de uma época da língua em que não há mais falantes vivos.
A análise do sistema consonantal do Português Arcaico, para estabelecer se havia ou não oposição entre os sons representados pelos grafemas focalizados, foi embasada no modelo estruturalista de Pike (1971 [1947]) e em obras que retomam o modelo de Pike, como Cagliari (2002), Souza e Santos (2012), Ferreira Netto (2011), Pickering (2010).
Através da análise dos dados, verificamos que as consoantes fricativas na posição de onset silábico nas cantigas religiosas e profanas se comportam de maneira um pouco diferente nos dois corpora (cantigas religiosas e cantigas profanas). Os segmentos representados pelos grafemas "ss"/"s", por um lado, e "ç"/"c"/"z", por outro, estabelecem entre si uma relação de oposição fonológica. Em relação à posição de coda silábica, nas CSM, os dados indicam uma oposição entre as sibilantes vozeadas e desvozeadas em posição de coda, bem como entre as sibilantes e as chiantes, mas os dados analisados nas cantigas profanas indicam que poderia já haver uma neutralização de vozeamento entre as sibilantes e entre estas e a consoante representada por .
Como não dispomos da presença do falante nativo para a comprovação da pronúncia da época, nosso estudo mostra, através dos dados, a riqueza informativa da documentação poética, visto que o estudo das rimas e das variações gráficas é de fundamental importância para o estabelecimento das realizações fonéticas e para a depreensão do sistema fonológico vigente (MATTOS E SILVA, 1989, p. 40).