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Simpósio Mundial de Estudos de Língua Portuguesa
Resumo

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Testemunho, ruptura e vazio: formas de produção de sentido a partir do enunciado-nome da campanha Eu vou contar

Autores:
Júlia Mendes Carrenho (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas)

Resumo:

Este trabalho tem como objetivo analisar a produção de sentidos no material da campanha Eu vou contar a partir do próprio enunciado que a nomeia. A campanha, produzida pela parceria de duas ONGs, apresenta-se como um esforço de escuta, coleta e divulgação na internet de “histórias de aborto” ou “relatos de aborto” ocorridos há mais de oito anos, tempo mínimo para prescrição do crime na atual legislação brasileira. A leitura do material é feita, de um lado, a partir da construção de um dispositivo heurístico embasado na análise de discurso de linha francesa, especialmente nas elaborações de Pêcheux (1975), Courtine (2009) e Orlandi (2001), e de outro, pela abordagem dos relatos divulgados como testemunhos a partir das elaborações de Mariani (2016), Agamben (2008) e Levi (2004). Assim, o trabalho pensa, levando em conta as condições de produção específicas da campanha, o funcionamento desses testemunhos e o seu modo de produzir sentidos na articulação entre o Real da língua, da história e do acontecimento e também nas imbricações entre a interdição jurídica e/ou moral do dizer e o impossível próprio desse mesmo dizer. A análise evidencia, partindo da materialidade linguística do nome da campanha e jogando parafrasticamente com enunciados presentes nos relatos, o funcionamento do testemunho na contradição, mostrando primeiro os efeitos de ruptura produzidos pela locução verbal e pelo próprio enunciar “eu vou contar”, mas depois o encontro com um vazio sistemático, no título e em todo o material: o do objeto desse contar. O trabalho mostra ainda como, a partir do funcionamento equívoco da base linguística agenciado por uma formação discursiva específica, o objeto do contar é construído, por meio de efeitos de oposição, justaposição e outros, pela mobilização de memórias e sentidos, sempre em disputa, do feminino, da maternidade e do corpo da mulher na relação público-privado.