Três anos depois de se tornar uma das primeiras vozes de resistência à ditadura implantada em 1964 no Brasil, o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony surpreendeu seus leitores ao trazer para o cerne de seu oitavo romance, Pessach: a travessia, o envolvimento com a luta armada contra o regime militar. Tal envolvimento se dá por meio do protagonista, Paulo Simões, um personagem especialmente aproximado à persona de Cony: um escritor de romances considerados “alienados”, por não se engajarem na cena política, mas que alcançavam grandes tiragens, sendo publicados por um editor ligado ao “Partido”. O romance joga deliberadamente com essa semelhança, instaurando um cenário em que a ficção mistura-se à vida real de seu autor, uma mistura ainda mais acentuada pelo dado de que Pessach traz elementos explicitamente vinculados ao momento sociopolítico vivido pelo país à época. Trinta anos depois, Cony lançou uma edição revista do romance, na qual aproximou ainda mais as figuras do protagonista-escritor e seu autor, ao fazer coincidir, logo na primeira página do texto, as datas de aniversário de ambos. Um ano antes, em 1996, depois de mais de vinte anos de “silêncio”, Cony havia retornado à ficção com um título já em si significativo, Quase memória: quase-ficção, cujo protagonista tem exatamente o seu nome, Carlos Heitor Cony. Nesta comunicação, serão analisados e problematizados esses vínculos e inter-relações, pensando-os não só no seio da obra do escritor, mas também situando esses dois romances na literatura contemporânea, a qual tem como uma de suas principais características a autoficção. Contar-se-á com o apoio da fortuna crítica sobre Cony e com os autores que vêm discutindo tais questões, como Melo Miranda (1992), Moricone (2005) e Klinger (2007), além dos teóricos Lejeune (1975) e Foucault (1969; 1983), dentre outras contribuições.