Clarice Lispector, uma das grandes e consagradas escritoras brasileiras do século XX, apresenta em sua obra uma percepção estética e literária que, embora rompesse com padrões tradicionais acerca do romance entre os anos de 1940 e 1970, no Brasil, é configurada como um aprofundamento de questões e temas clássicos acerca do imaginário humano. No entanto, a própria autora vivenciou uma mudança de paradigma em seu projeto literário, ao escrever os contos encomendados do livro A via crucis do corpo (1974), obra que precisou defender da crítica que o considerou como lixo. Por outro lado, ao escrever sua última novela, A hora da estrela, em 1977, um dos títulos oferecidos ao leitor é ‘História lacrimogênica de cordel’; desse modo, Lispector insere personagens marginais de contextos distintos, bem como um gênero literário descentrado, verbalizando, literal e simbolicamente, ‘o direito ao grito’, ou de voz, de novas tendências culturais literárias e de expressão de grupos que também se apropriam de um imaginário, clássico ou popular, e o usa como matéria artística. Nos rastros de Lispector, portanto, nossa intenção é analisar como arte e artistas ‘migram’ entre os espaços de criação poética, recriam ou inauguram tradicionalidades, em especial neste momento de movimentos migratórios e exílicos. A linguagem contemporânea, marcada pelos movimentos e pela inquietação dos grupos, circula artes, autores, obras e leituras, e as formas de ficção e de criação precisam ser analisadas à luz das teorias modernas, literárias e culturais, conforme é nossa intenção.