A exemplo das liturgias cristãs, celebradas por meio de emblemáticos e repetidos gestos, palavras, orações, cantos e coros, bem como sinais e símbolos, a narrativa Retábulo de Santa Joana Carolina, constante em Nove Novena, de Osman Lins, segue um notável esquema ritualístico visando a recompor o espírito de devoção, renúncia e redenção que sustentam e edificam a fé religiosa. Mais do que sugeridos, “retábulo” e “santa” referem-se a que veio e o que cumpriu Joana Carolina, em um percurso de vida – do nascimento até a morte – que se perfaz, segundo depoimentos e testemunhos, como uma missão. Ademais, o significado religioso associado a “novena” também expande essa compreensão, acrescendo força e gravidade ao tom litúrgico e solene do conto.
A atmosfera de hagiografia (do grego, hagios, santo; graphía, escrever) é paulatinamente composta a partir dos testemunhos associados a eventos miraculosos e a características de beatitude e cores fortes, puras e luminosas associadas à sua figura, ilustrando, plasticamente, o retábulo que conforma a narrativa. Para Boécio – um dos transmissores da concepção pitagórica da arte –, toda ordem formal é uma ‘demonstração’ da unidade ontológica.
A tradição cristã transcorre segundo o chamado “ato de memória’, como compreende Paul Ricoeur. Pela sua feição memorial, pois evocadora de orações centenárias que se renovam ritualisticamente, Osman Lins recorreu à dimensão simbólica da novena para engastá-la em seu princípio compositivo, inclusive na figura do coro que finda a narrativa, prenunciando a sua santificação. Para Jacques Le Goff, as matrizes judaico-cristãos configuram “religiões de recordação”, ou seja, “os atos divinos de salvação situados no passado formam o conteúdo da fé e o objeto do culto” – instância por meio da qual Lins traduz a realidade regional nordestina irradiadora do seu imaginário pessoal e literário.