A escrita de fan fictions é prática datada já de quase quatro décadas, razão pela qual vem sendo estudada desde os anos de 1980, em pesquisas que discutiram por diversos enfoques e em diferentes campos a produção ampla e, de modo geral, colaborativa de expressões artísticas por parte daqueles que se identificam como “fãs” de determinados objetos e personalidades do universo do entretenimento. Desde muito cedo, os estudos de fãs destacaram que os textos conhecidos por fan fictions estão relacionados a dinâmicas ativas de leitura, uma vez que envolvem a reformulação criativas e constante de produtos em geral bastante afamados lançados e mantidos por grandes corporações midiáticas, como filmes, seriados televisivos, livros (e suas respectivas séries) e até a imagem sustentada por celebridades, de esportistas a atores e músicos. Muitas vezes, tais dinâmicas ativas de leitura resultam em práticas de produção linguística que representam, das mais variadas formas, certos tabus do comportamento social: há fan fictions que retratam, em graus mais ou menos explícitos (por vezes, extremos) relações afetivas e eróticas envolvendo homossexualidade, violência, sadomasoquismo, abuso, estupro e incesto. Ao analisar alguns exemplos desse tipo de fan fiction, pretendo discutir, tendo por base o conceito freudiano de fantasia em sua relação com a literatura e as artes, a hipótese de que esse tipo de produção dê vazão à expressão de desejos de outro modo indizíveis. Discutirei, baseado em minha pesquisa de doutorado a respeito, o possível uso das fan fictions como estratégia para formular enredos informuláveis, estratégia que pretendo vincular ao contexto de ocorrência desse tipo de texto, notadamente marcado pelas tecnologias digitais (que privilegiam anonimato e, ao mesmo tempo, a interação). Pretendo, com isso, não apenas evidenciar faces pouco abordadas da fan fiction, mas também teces elucubrações a respeito da relação entre fantasia e arte na contemporaneidade.