Em uma perspectiva que considera a filologia como curadoria do texto histórico, a conservação e a restauração do texto perpassam necessariamente por três níveis: a materialidade, a forma e a substância. No exame da tradição de uma obra, podemos situar esses três níveis textuais em dois eixos: um sincrônico e o outro diacrônico. Consideraremos neste estudo a filologia tradicional, ou de original ausente. Mais especificamente, nesse âmbito, a partir de um olhar sincrônico, o filólogo procura transcrever fidedignamente, descrever e estudar os testemunhos da tradição, de forma a preservá-los como objetos históricos. A partir de um olhar diacrônico, o filólogo procura restaurar, com base em cópias remanescentes, um original não mais existente, fragmentado pelo processo de transmissão. Se, por um lado, há elementos que permitem descrever as características materiais, formais e substanciais de cada testemunho subsistente, por outro lado, não se pode recuperar integralmente essas características tais como eram no original. Mesmo que a reconstituição do original ausente seja sempre uma hipótese de trabalho, a perspectiva da filologia tradicional de viés (neo)lachmanniano não fica invalidada, mas afirma-se quanto ao seu objeto e método. A depender da finalidade da pesquisa, interessará mais estudar os testemunhos existentes ou somente a tradição, do que reconstituir o original. O pesquisador pode concentrar-se em um texto sem extensa tradição, ou mesmo em um codex unicus, e procurar transcrevê-lo, editá-lo e estudá-lo como documento linguístico, por exemplo. Ou o pesquisador pode enveredar por tradições complexas, a fim de organizar genealogicamente os testemunhos e, por fim, editar um texto reconstituído. Em ambas as perspectivas, a filologia tradicional (neo)lachmanniana sustenta-se como um olhar distinto sobre o seu objeto de estudo, que engloba o texto e a sua escrita. Nesta comunicação, pretendemos discutir o peso dos elementos que compõem os três níveis textuais referidos em cada uma das perspectivas propostas.