O português é utilizado por todo o território brasileiro como língua franca em interações transculturais entre indígenas e não indígenas. Dentre as diversas variedades dessa língua de contato, denominadas Português Indígena, o nosso grupo de pesquisa vem analisando a do povo Kaxinawá, autodenominado Huni-Kuin. Os Kaxinawás, de língua pertencente à família Pano, habitam a fronteira Brasil-Peru, sendo que na parte brasileira vivem em 12 terras indígenas nas regiões do Alto Juruá e Purus, no Acre, onde são o povo indígena de maior população com 10.800 indivíduos.
Em contrapartida a estudos exclusivamente estruturais (v., por exemplo, Emmerich 1984, Lucchesi e Macedo 1997, Abreu Gomes 1997, Ferreira 2005, Christino 2015), pesquisadores como Maher (1998) e Amado (2015) expandem a abordagem ao apontar que processos ligados ao contato linguístico levam também à presença de especificidades discursivas e pragmáticas nas variedades de português indígena.
Dessa forma, a presente pesquisa objetiva, a partir de uma perspectiva da Sociolinguística Interacional (Philips 2013 [1976], Goffman 2013 [1963], Gumperz 2013 [1982] e outros), realizar uma análise do comportamento interacional-discursivo de Kaxinawás em interações transculturais, com o foco no fenômeno de retomada da fala do outro, procurando estabelecer uma tipologia. O trabalho também objetiva contribuir para a descrição comparativa do comportamento discursivo de Kaxinawás e de não-indígenas também moradores na região do Alto Juruá (AC), baseando-se em entrevistas sociolinguísticas recolhidas em trabalho de campo realizado em Cruzeiro do Sul e Marechal Thaumaturgo (AC) com apoio financeiro da FAPERJ no início de 2014.
Pretende-se, assim, fortalecer a hipótese de que determinadas realizações de aspectos discursivos da fala Kaxinawá estariam intimamente ligadas à "etiqueta interacional" (v. Maher 2016) desse povo mesmo no contato transcultural fundamentalmente assimétrico entre indígenas e não indígenas, em que entram em conflito questões de identidade e resistência cultural (Maher 1996).