Aproximando o conto No moinho e a novela Alves & Cia, do prosador oitocentista Eça de Queirós, o presente estudo propõe-se a tecer diálogos sobre a condição de cerceamento do desejo a que são subjugadas as personagens femininas, Maria da Piedade e Ludovina. Crítico voraz da sociedade portuguesa de então, Eça de Queirós, que muito dedicou suas páginas ao adultério feminino e à educação das mulheres no século XIX, reservou a tais personagens, ambas adúlteras, desfechos distintos, porém intimamente atrelados às implicações decorrentes de se ser mulher e adúltera numa sociedade chancelada pelo domínio masculino. Historicamente relegadas ao espaço doméstico, as mulheres da segunda metade do século XIX viviam, quase que inevitavelmente, encarceradas não só no ambiente do lar, como também no próprio desejo. Desse modo, o adultério surge como um caminho de liberdade, acabando por subverter as convenções sociais. Levadas ao casamento por necessidade, conveniência ou por razões diferentes ao amor, tanto Piedade quanto Ludovina cedem ao adultério não só pelo caráter bovarista ou dojuanista de seus amantes, mas, sobretudo, pelo próprio desejo, pela imperiosa necessidade, e também curiosidade, de uma experiência outra que as fizessem se sentir mulheres, amadas e amantes, e não apenas a esposa, a mãe, a dona do lar. Assim, ambas não só são seduzidas, mas se permitem seduzir. A educação romanesca, largamente evidenciada nos romances queirosianos, talvez signifique, no contexto das narrativas em questão, que as mulheres tinham outras motivações para incorrerem no adultério em vez de apenas tentarem fantasiar as heroínas dos livros, como muito se pensava. Sua própria condição de cerceamento já era o bastante para que desejassem e buscassem outras experiências, embora estivessem plenamente conscientes do quão custosa seria toda esta ousadia.