O objetivo desta proposta é discutir a recorrência ao fenômeno da violência urbana como princípio estético na contista do escritor Rubem Fonseca. Particularmente no conto “Relato de ocorrência em que qualquer semelhança não é mera coincidência”, discutiremos os recursos composicionais que colocam a violência na condição não apenas de temática, mas de sustentação estético-ideológico, de modo a construir uma ‘poética’, um modus vivendi que emerge da cena urbano-periférica, marcada pela exclusão, abandono e invisibilidade social. É a zona onde habita o subalterno, figura central na obra desse escritor.
Assim, a proposta defende existir nesse processo de escrita uma frontal opção pelo fenômeno da violência enquanto aporte para a construção de uma estética marginal: uma escrita propositadamente suja, cambiante, residuária de um limbo social, cujo logus é regido por outros mecanismos e outras forças. No conto em tela, a narrativa, alicerçada na escolha pelo sórdido de cada detalhe, um acidente em via pública, vitima simultaneamente os passageiros de um ônibus e uma vaca marrom. Mero estopim para ativação de todo um estado de selvageria humana, até então imerso nas camadas de aparência do tecido social. O que se ‘assiste’ é o voraz ataque ao corpo da vaca, por parte de moradores das cercanias que, a parte da tragédia, e dos corpos sem vida dentro do ônibus sob a ponte, veem na ocasião, oportunidade de se fartarem com a carne do animal.
Para a discussão nos valeremos das contribuições teóricas de autores como Pierre Bourdieu (conceito de modus e habitus), Michel Focault (vigiar e punir), Gramsci (conceito de subalterno), além da direta referência à Teoria Crítica (Escola de Frankfurt) e Crítica Pós-Colonial.
A metodologia será a leitura e análise estrutural da narrativa extraindo do texto os recursos discursivos que ativam a violência como eixo central na proposta estética do autor, consequentemente, autorizando a leitura deste fenômeno enquanto uma poética.