O presente estudo busca discutir a noção de autoria negra, a partir da análise dos romances Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, Becos da memória, de Conceição Evaristo, e Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves. Entendendo que essa autoria se caracteriza pela posição axiológica negra no texto, o trabalho dialoga com reflexões desenvolvidas por Duarte (2011), Bernd (1988) e Achille Mbembe (2014), entre outros teóricos. Nesses romances pode-se evidenciar feições de uma segunda razão negra, capaz de rasurar e questionar a razão negra ocidental. Pretende-se, assim, aproximar uma ideia de segunda razão negra ao texto afro-brasileiro. Considerando que uma poética negra é inerente a essas produções, problematiza-se as nomeações “literatura afro-brasileira” e “literatura negra”, entendendo a necessidade de existência de um campo “particularizante”, como expressão e reflexão de um “novo lugar”, um campo suplementar que não é acolhido pelo vasto manto da literatura brasileira.

O romance Úrsula revela a perspectiva pioneira de construção de uma consciência autoral negra na prosa romanesca do século XIX. Pelo caráter precursor e estruturante de uma poética negra, as reflexões sobre Úrsula são postas em diálogo com as concepções teóricas de Mbembe (2014). Os romances Becos da memória e Um defeito de cor apresentam uma visão da construção autoral do texto negro em temporalidades diferentes. Seja alinhavando vozes em um momento no qual o negro figura nos espaços de despejo da sociedade, seja no gesto de revisitar o século XIX para trazer memórias soterradas na história nacional, Conceição Evaristo e Ana Maria Gonçalves nos possibilitam o alargamento de uma visão de autoria, do ponto de vista e do lugar de enunciação, identificada à perspectiva negra.